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Writer's pictureAlberto Moby Ribeiro da Silva

THE SACRED VALLEY OF THE INCAS

Os encantos do Peru, principalmente se você gosta de paisagens de tirar o fôlego e se interessa por história, não permitem uma viagem apressada. Ou, pelo menos, não apenas uma. Como disse na postagem anterior, assim como já tinha acontecido em Lima, nossa curta permanência em Cusco nos obrigou a deixar de fora várias outras atrações dessa cidade encantadora, assim também como passeios curtos às inúmeras atrações que cercam a antiga capital do império inca. Isso não quer dizer, no entanto, que não tenha sido possível desfrutar de algumas dessas maravilhas da cultura quéchua, a maioria delas localizada na região conhecida como Vale Sagrado dos Incas.



O Vale Sagrado, formado por numerosos rios que descem por pequenos vales; possui uma infinidade de monumentos arqueológicos e povoados que vale a pena conhecer. O principal rio do vale é o Urubamba, artéria fluvial fundamental do Peru. O vale teve importância fundamental para os incas devido a suas características geográficas e climáticas privilegiadas. Foi um dos principais pontos de produção do período incaico, dada a riqueza de suas terras. Ainda hoje é o lugar onde se produz o melhor grão de milho no Peru. Vale lembrar que até hoje o país já catalogou cerca de 40 variedades de milho.


PISAC

Uma das joias do Vale Sagrado é, sem dúvida, Pisac. Localizado a 33km de Cusco, Pisac é um dos sítios arqueológicos mais importantes do Vale Sagrado dos Incas.

Ao pé do sítio arqueológico está o povoado de mesmo nome, que se caracteriza por uma parte inca e outra colonial. Essa herança mestiça é facilmente identificável em sua arquitetura, já que um pueblo colonial foi construído sobre escombros indígenas sob o comando do espanhol Francisco de Toledo, vice-rei do Peru entre 1569 e 1581.


A principal atração de Pisac, no entanto, é o Parque Arqueológico Nacional de Pisac, localizado no caminho pela encosta da montanha logo atrás do povoado. Esse complexo arqueológico de Pisac atrai milhares de visitantes - e não é para menos. Considerado como um dos melhores complexos arqueológicos incas do Peru, ele é constituído por agrupamentos de restos arqueológicos espalhados por uma área de 4km², entre os quais se destacam plataformas, aquedutos, caminhos associados a muralhas e portais, canais de irrigação, cemitérios, pontes e vários outros vestígios arquitetônicos. Sua característica mais marcante é o seu sistema de cultivo em plataformas e seus recintos de pedra lavrada.



Pisac deriva da palavra quéchua pisaka, que significa “perdiz”. Acredita-se que o sítio arqueológico tenha sido construído com a forma de uma perdiz. Era costume inca dar forma de animal ou pássaro às suas principais cidadelas. Cusco, por exemplo, tinha o formato de um puma.

Enquanto a cidade de Pisac está localizada a 2.974m acima do nível do mar, o sítio arqueológico fica a 3.300m de altura. Sua construção foi realizada durante o governo do imperador Pachacútec em um período de expansão territorial vertiginosa. Após a chegada dos espanhóis a Cusco, Pisac foi invadida e seus habitantes fugiram. Seus principais monumentos foram danificados. O cemitério Inca foi destruído e saqueado. Com as reformas promovidas pelo vice-rei Francisco de Toledo, Pisac passou a ser uma redução de índios – onde, sob o pretexto de levar a palavra de Deus e a fé católica e de protegê-los da violência dos colonizadores, padres jesuítas e franciscanos mantinham rígido controle sobre grandes contingentes indígenas. Com o passar do tempo, a cidade instalou-se nas encostas da montanha onde se encontra o sítio arqueológico inca.


Lamentavelmente, nosso tempo foi muito curto e só passamos de passagem pelo povoado. De qualquer modo, sua principal atração é um mercado popular que funciona às terças, quintas e domingos, e nosso passeio aconteceu numa quarta-feira. (As fotos abaixo são do site Ingreso Machu Picchu.)



O lado bom foi que tivemos tempo para percorrer com relativa tranquilidade o Parque Arqueológico Nacional de Pisac. Sua principal atração é, sem dúvida, terraceamento, distribuído por uma extensa área desse povoamento inca.


Terraceamento é uma técnica de plantio feita em “escadas” ao longo de encostas. O objetivo dessa técnica é conter a erosão provocada pelas chuvas, diminuindo a força e a velocidade das águas pluviais que descem a montanha. Além disso, o terraceamento torna cultivável e fértil uma extensa área onde não há terrenos planos. Outra característica dessa técnica é o máximo aproveitamento da luz solar. Isso permite, entre outros benefícios, que sejam criados microclimas particulares que permitam o cultivo de diferentes plantações em áreas mais altas ou mais baixas, de acordo com a necessidade de cada planta.



A técnica do terraceamento não é exclusiva da civilização inca. É usada até hoje, por exemplo, no sul e no sudeste da Ásia, na China e no Japão, sendo utilizados principalmente na produção de arroz. Também é utilizada na região do Douro, em Portugal, para o cultivo das uvas do famoso vinho do Porto. No entanto, o que chama a atenção, no caso de Písac, é a altitude das terras em que essa técnica era empregada, bem como a precisão com que cada degrau se articula com os demais.


Só por isso já valeria a pena o passeio, mas contam também as dezenas de construções de pedra, a maioria delas, aparentemente, residencial, em que a precisão dos encaixes e o equilíbrio dos ângulos são verdadeiras obras-primas de engenharia. Isso sem contar as pontes, canais, pequenas represas e demais obras da arquitetura inca que o tempo generosamente preservou.


MORAY

Na época incaica Moray, também no Vale Sagrado, foi um importante campo de experimentação agrícola. Ao que tudo indica, ali os incas, usando também a técnica do terraceamento, se aproveitavam da variação de temperatura entre os canteiros para cultivar diferentes tipos de produtos agrícolas em um único lugar.


Moray foi construída de forma estratégica. Tirando proveito do próprio relevo da região, seus construtores escavaram terraços circulares e desviaram um curso de água já existente, criando canais de irrigação para seus canteiros. Para além de sua antiga funcionalidade, os canteiros de Moray são extremamente agradáveis esteticamente.


Aos desavisados, os terraços agrícolas do sítio arqueológico de Moray podem parecer anfiteatros, como, por exemplo, os da época greco-romana. Mas, na verdade, como eu disse antes, era uma espécie de laboratório agrícola, em que cada um de seus terraços possui seu próprio microclima, de acordo com a profundidade em que foi assentado.



Segundo os pesquisadores, durante o período do Tahuantinsuyu, Moray teria produzido cerca de 60% do total de espécies vegetais consumidas pelo império, além de mais de 3 mil variedades de espécies, incluindo dezenas de tipos de batata e milho, fundamentais na dieta do povo quéchua. Mas o destaque ficava mesmo com a coca, fundamental para os povos andinos devido a suas propriedades estimulantes naturais, razão pela qual era considerada uma planta sagrada.


CHINCHERO

Chinchero é um distrito da província de Urubamba, cujas origens remontam a tempos pré-incaicos. Os primeiros habitantes da região foram o povo ayarmaca, que por muito tempo resistiu duramente ao assédio dos incas. Quando foram finalmente derrotados, Chinchero foi o local escolhido pelo inca Túpac Yupanqui para estabelecer a sua residência. Construiu belos palácios para seu uso pessoal e de sua panaca (denominação quéchua para a família formada por todos os descendentes de um sapa inca, exceto o filho que o sucederia como novo monarca).


Foto: David Stanley, 02/09/2021



Em 1536, com a conquista espanhola, Manco Inca iniciou uma rebelião queimando Chinchero para que os espanhóis não pudessem renovar seus suprimentos, deixando de persegui-lo em sua retirada para a selva. Quando o vice-rei Francisco de Toledo visitou Cusco, ele parou em Chinchero, onde estabeleceu uma redução de índios e construiu a atual igreja sobre o alicerce da moradia do inca. Desde então, a cidade seguiu a trajetória de grande parte das cidades, vilas e povoados tomadas dos nativos pelos conquistadores.


Foto: CNN Brasil


No entanto, além de ser uma cidade em que por todos os cantos a herança indígena e a colonial espanhola disputam espaço e hegemonia, Chinchero tem suas peculiaridades. A principal delas parece ser a de provocar no turista uma espécie de ingenuidade deliberada, daquela que se encanta com a fala típica, a indumentária típica, o artesanato típico - enfim, um certo ar folclórico que grande parte dos viajantes gosta de encontrar em lugares "folclóricos". (Eu também, claro...)


Obviamente, não sejamos ingênuos a ponto de aceitar a narrativa presente nos relatos de muitos turistas de que “parece que Chinchero está parada no tempo”. De fato, toda a população permanece se comunicando em quéchua, e isso pode não ser apenas para encantar turista, mas todos também sabem espanhol e não é tão pequeno assim o número dos que falam inglês – principalmente nas cooperativas de mulheres artesãs que fabricam e vendem tecidos e trajes típicos da cultura tradicional.


Por outro lado, embora a população possa se vestir cotidianamente com roupas típicas da cultura indígena com a clara intenção de incrementar o turismo, parece que esse é um costume anterior ao boom turístico da cidade, que vai muito além da intenção de atrair turistas. Em vários momentos do nosso passeio, de Cusco a Ollantaytambo, com paradas em locais icônicos da história e cultura dos Andes peruanos, vimos pessoas cultivando os campos – particularmente os arredores de Chinchero – vestidas com suas roupas tradicionais.


Foto: Bernard Gagnon, 12/03/1984


Foto: Péricles Rosa, 16/02/2018


Mas das tradições e costumes de Chinchero a que mais encanta o viajante é, certamente, é a tecelagem manual, com o uso de técnicas milenares transmitidas de geração em geração. Aí novamente os valores culturais tradicionais se somam à lógica do mundo capitalista e globalizado, já que são exatamente as técnicas e práticas tradicionais que dão visibilidade às artesãs. Estas, por sua vez, aprenderam a se organizar em cooperativas, buscaram qualificação para aperfeiçoar suas técnicas, aprenderam a se comunicar com os turistas, particularmente em espanhol e em inglês. Hoje em dia, o trabalho dessas mulheres não é mais simplesmente fiar e tecer. Elas também aprenderam a demonstrar sua arte de fazer a lã e como tecer os vestuários usados pelo povo local e essa atividade é tão apreciada pelos turistas quanto os tecidos que elas produzem – e que, pelo pouco que pude observar, levas e mais levas de turistas compram avidamente.



Lamentavelmente, dadas as características da excursão a que fomos obrigados a aderir, em função da falta de tempo, tive que deixar numa gaveta (pelo menos em Chinchero...) meu lado historiador. Seria inviável permanecer em Chinchero o tempo necessário para conhecer seu rico parque arqueológico. Isso, obviamente, é para mim um convite a voltar.


SALINERAS DE MARAS

As Salineras de Maras são um (belo) susto à parte. Trata-se de um tapete de sal formado por milhares de piscinas rasas cobrindo a montanha Qaqawiñay, a 3.380m do nível do mar, no meio do Vale Sagrado dos Incas.


Esse cobertor salino vem ajudando no sustento das famílias camponesas desde o período pré-inca e chegou a abastecer de sal o Império Espanhol durante a colonização. Hoje, além do sal e de produtos feitos com ele, como pimentas e outros temperos, as Salineras de Maras trouxeram para a população local uma nova oportunidade de sustento através do turismo. Condição que, aliás, em vários aspectos é bastante semelhante à de Chinchero.



Desde cerca de dois mil anos atrás, o sal é obtido através da evaporação da água de um manancial subterrâneo hipersalino, que é direcionada por um complexo sistema de canais que abastece as piscinas do alto para baixo, em um fluxo muito bem controlado pelos salineros. Ainda hoje, o sal é extraído utilizando as mesmas técnicas tradicionais, que são passadas de geração para geração pelas famílias em esquema de cooperativa. Qualquer morador de Maras pode ter seu tanque e trabalhar nas minas de sal. O dinheiro arrecadado com a entrada de visitantes é dividido entre eles.



O único caminho para se chegar a Maras é uma estrada de terra que serpenteia pelas montanhas. E nisso também se assemelha à estrada que leva a Machu Picchu, da qual falo mais tarde. Fica de frente para a Cordilheira de Urubamba. De Cusco, aproximadamente a 41km, até o povoado de Maras existe uma linha de ônibus, cujo destino final é Urubamba via Chinchero. Você deve descer em um desvio para Maras. Em seguida, é preciso pegar um taxi coletivo até as Salineras. No entanto, a pesar de essa ser uma forma bastante barata, é mais aconselhável contratar um tour em uma agência de turismo em Cusco.


Depois das Salineras de Maras, o passeio virou um corre-corre, com almoço em Urubamba e disparada para Ollantaytambo, onde tomaríamos o trem para Aguas Calientes, cidadezinha aos pés de Machu Picchu. Tudo isso com dor no coração por termos deixado de conhecer Urubamba com calma e nem isso com relação a Ollantaytambo e seu famoso sítio arqueológico. Mas isso eu conto no próximo post.


Antes disso, no entanto, uma parada para contemplar as belíssimas imagens do Vale Sagrado dos Incas. Só elas já valem a viagem.


No próximo post da série, Machu Picchu. Não vai perder, né?

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